Macérrima. Magra mesmo. Uma magricela a quem o calor e o excesso de maquiagem conferiam aspecto de puta amanhecida. Comecei a achar que vinha me seguindo. Eu estava a cinco metros da Secretaria de Cultura, onde se realizaria o lançamento, então apertei o passo.
Tenho o hábito de chegar cedo a meus compromissos, de modo que tínhamos tempo para algumas cervejas e optamos pelo restaurante do outro lado da rua. Um casal comia pizza maquinalmente, sem trocar um único olhar, a duas mesas da nossa. Anie me fez prometer que nunca seríamos assim. Prometi. Pedimos outra cerveja, com que brindamos a nosso entusiasmo. Anie me fez prometer que seria a última antes de voltarmos. Prometi. Desta vez, sem intenção de cumprir.
A Secretaria apinhada de pessoas cujos rostos eu nunca havia visto. Todos muito jovens e felizes e dispostos. Jovens? Jovens e felizes?! Descobri que iam para o Cirque du Soleil.
Lá estava a puta amanhecida, magra e loura, atenta a tudo sem, no entanto, dedicar-se a nada entre os poucos a não embarcar no ônibus. Ela me seguia, podia jurar. Mal me ocupara de receber alguns amigos, um cutucão no ombro.
– Oi. Posso te fazer umas perguntas?
Jornalista. Estudante, viria a saber. Ela me seguia, eu disse.
– Claro, mas vou fumar um cigarro. Então... Toma, vai olhando o livro.
Aquele colo cadavérico, de cujo decote pude entrever toda a estrutura torácica, suscitou-me a minha tia Célia, de quem o câncer fez apenas um saco – desses em que atiramos ossos de frango num churrasco – quebradiço, minha tia Célia morrendo. De pulmão, o câncer. “Filha da puta.”, enquanto jogava meio cigarro fora.
– De poemas, né?– Como?– O livro. É de poemas.
Que fazer disso?
– Os seus pais te deram força?– Não.– E, mesmo sem o apoio deles...– E daí?– Tem gente que desiste, ué... Não sei.– Quando eu tinha...
Resolvi chocá-la. Vez em quando sou um bêbado pueril.
– Quando eu tinha 14 anos, meus pais tinham saído, levei minha namoradinha, a chamemos D., para o quarto deles que, por alguma razão, chegaram mais cedo e me pegaram com a boca na... Botija, digamos.
Ela, um tanto embaraçada, sorriu. Aí vinha o choque.
– Agora: me pergunta se eu deixei de chupar buceta?– Meu Deus!
Tapou a boca. Antes que se recompusesse, respondi.
– Tudo de bom que fiz foi sem que eles soubessem, quisessem ou se importassem. Continuei escrevendo, sim.
Já quase de todo recomposta, entre pigarros.
– De onde veio o... O Felipe F.?– Duma alusão que fizeram. À Cristiane. Cristiane F., pelo amor de Deus!– É escritora?– Quiromante.– Você lê muito?– Não. Deixei de ler assim que fui alfabetizado.– Tá brincando, né?– Tou, sim.– E lê qual tipo de livro.– Em geral, poesia e ensaio. Pouca ficção.
Virou a página em seu bloco. “Só mais uma.”, disse.
– Já tá escrevendo outro livro? Pode adiantar alguma coisa?– Uma biografia de nosso Ex-Presidente. Por enquanto só tenho o título: A paixão segundo F.H..
maryllu says:
Adoro diálogos de tipos intelectualizados com quedas mórbidas por tiradas e derrisões com tipas putas... prefiro quando são putas mesmo... e magrinha como um saco de ossos cancerígeno...
2 de maio de 2011 às 12:43
Felipe da Fonseca says:
Predileções bem específicas, menina.
Obrigado?
3 de maio de 2011 às 11:39