16.2.11

O lançamento (1ª parte).

Macérrima. Magra mesmo. Uma magricela a quem o calor e o excesso de maquiagem conferiam aspecto de puta amanhecida. Comecei a achar que vinha me seguindo. Eu estava a cinco metros da Secretaria de Cultura, onde se realizaria o lançamento, então apertei o passo.

Tenho o hábito de chegar cedo a meus compromissos, de modo que tínhamos tempo para algumas cervejas e optamos pelo restaurante do outro lado da rua. Um casal comia pizza maquinalmente, sem trocar um único olhar, a duas mesas da nossa. Anie me fez prometer que nunca seríamos assim. Prometi. Pedimos outra cerveja, com que brindamos a nosso entusiasmo. Anie me fez prometer que seria a última antes de voltarmos. Prometi. Desta vez, sem intenção de cumprir.


A Secretaria apinhada de pessoas cujos rostos eu nunca havia visto. Todos muito jovens e felizes e dispostos. Jovens? Jovens e felizes?! Descobri que iam para o Cirque du Soleil.

Lá estava a puta amanhecida, magra e loura, atenta a tudo sem, no entanto, dedicar-se a nada entre os poucos a não embarcar no ônibus. Ela me seguia, podia jurar. Mal me ocupara de receber alguns amigos, um cutucão no ombro.

– Oi. Posso te fazer umas perguntas?

Jornalista. Estudante, viria a saber. Ela me seguia, eu disse.

– Claro, mas vou fumar um cigarro. Então... Toma, vai olhando o livro.

Aquele colo cadavérico, de cujo decote pude entrever toda a estrutura torácica, suscitou-me a minha tia Célia, de quem o câncer fez apenas um saco – desses em que atiramos ossos de frango num churrasco – quebradiço, minha tia Célia morrendo. De pulmão, o câncer. “Filha da puta.”, enquanto jogava meio cigarro fora.

– De poemas, né?
– Como?
– O livro. É de poemas.

Que fazer disso?

– Os seus pais te deram força?
– Não.
– E, mesmo sem o apoio deles...
– E daí?
– Tem gente que desiste, ué... Não sei.
– Quando eu tinha...

Resolvi chocá-la. Vez em quando sou um bêbado pueril.

– Quando eu tinha 14 anos, meus pais tinham saído, levei minha namoradinha, a chamemos D., para o quarto deles que, por alguma razão, chegaram mais cedo e me pegaram com a boca na... Botija, digamos.

Ela, um tanto embaraçada, sorriu. Aí vinha o choque.

– Agora: me pergunta se eu deixei de chupar buceta?
– Meu Deus!

Tapou a boca. Antes que se recompusesse, respondi.

– Tudo de bom que fiz foi sem que eles soubessem, quisessem ou se importassem. Continuei escrevendo, sim.

Já quase de todo recomposta, entre pigarros.

– De onde veio o... O Felipe F.?
– Duma alusão que fizeram. À Cristiane. Cristiane F., pelo amor de Deus!
– É escritora?
– Quiromante.
– Você lê muito?
– Não. Deixei de ler assim que fui alfabetizado.
– Tá brincando, né?
– Tou, sim.
– E lê qual tipo de livro.
– Em geral, poesia e ensaio. Pouca ficção.

Virou a página em seu bloco. “Só mais uma.”, disse.

– Já tá escrevendo outro livro? Pode adiantar alguma coisa?
– Uma biografia de nosso Ex-Presidente. Por enquanto só tenho o título: A paixão segundo F.H..

Trouxera consigo uma fotógrafa e, após dois ou três sorrisos, foi-se embora. Não nos veríamos novamente.

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  1. maryllu says:

    Adoro diálogos de tipos intelectualizados com quedas mórbidas por tiradas e derrisões com tipas putas... prefiro quando são putas mesmo... e magrinha como um saco de ossos cancerígeno...

    2 de maio de 2011 às 12:43

  2. Felipe da Fonseca says:

    Predileções bem específicas, menina.

    Obrigado?

    3 de maio de 2011 às 11:39

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Saiba, entretanto, que todos os comentários serão submetidos a mim e, por mais articulado que seja, seu idiossincrático cinismo, apesar de bem-vindo (e do que seu Terapeuta diz), não me interessa tanto quanto o bom, sempre estimulante e tácito desdém.

P.S.: A detratores acovardados e Loucos de Fórum, versão escrita dos "Loucos de Palestra", é reservado o anonimato.